quarta-feira, 2 de julho de 2008

Vida após a morte

Tem uma propaganda por aí nos ônibus da cidade dizendo algo assim "há vida após a morte. Doe seus órgãos." Tenho lido e me lembrado de uma reportagem que li numa dessas revistas de bebê numa sala de espera de algum pediatra. Era simplesinha, mas dizia uma coisa que me rachou de emoção na hora e não esqueci mais. A mãe escrevia uma carta pro seu neném que ainda não tinha nascido, apresentando a família dela a ele. Ao falar da própria mãe, disse alguma coisa do tipo: "você não a conhecerá fisicamente, pois ela já se foi desse mundo, mas saberá tudo dela através do amor que eu te darei. Será, inevitavelmente, o mesmo amor que ela um dia me deu." Não sei se achei isso mais certo ou mais lindo. Me lembrei na hora de uma amiga minha muito querida, que já perdeu também a mãe. Quando eu a conheci, a mãe já tinha falecido. Mas quanto eu sei hoje dessa pessoa só pelo o que conheço da Grace (tinha nome melhor?). Já disse isso a ela. A inigualável bondade dela, o obstinado cuidado com os outros, a fortaleza impressionante ao meio de tanta delicadeza... Sempre, sempre tive essa impressão dela: de que a raiz desse jeitinho de ser maravilhoso era fruto direto do fato de alguém um dia tê-la amado muito, e amado certo, positivamente, sem tréguas e sem ressalvas. Ela é hoje o puro reflexo disso, ninguém me tira isso da cabeça. Então, esse alguém - que, por saber de sua história, sei ter sido sua mãe - já não está mais aqui entre nós, mas, nossa, está aqui entre a gente muito mais do que muitos outros. Seu amor lá de trás brotou e está em plena primavera. E sendo passado adiante, porque quando eu me encontro com sua filha, saio melhor do que cheguei, bêbada desse mel de fonte remota. Quem a conhece sabe do que eu estou falando.
Aí está a versão da vida eterna, ou da reencarnação, sei lá, que mais me convenceu até hoje. A qualidade e intensidade do nosso amor continuando a dar corda nas rodas do mundo independente do "fim" de nós mesmos.

ps: esse post vai dedicado ao Matthias, de quem eu acabo de receber um email fantástico, na emoção do qual, depois de quase dois meses de seca, consegui decolar um pouquinho e escrever aqui. (;

sábado, 3 de maio de 2008

Dói!

Minha tentativa de definição hoje pro sentimento de ser mãe passaria por algo assim: dói, meu deus, dói muito. É tum-tum-tum na porta o tempo todo. Mas eu não tô falando em dor, tô falando em sentir algo doendo - o que me parece poder ser sutil mas substancialmente diferente. Com doer quero dizer a sensação permanente de algo agudo latejando, da cabeça aos pés, do lado de dentro e do lado de fora, acusando sem trégua sua presença, sendo urgente, sendo pra ontem, sem chance de passar, sem cura. Esqueça, o bicho do amor louco te pegou, cravou a unha bem no meio do seu peito. O feeling é esse, que adoeci e que não tem mais jeito, viverei na palma da mão dessa doença boa que me sustentará. Não consigo mais me imaginar normal, tranqüilinha, bonitinha, assentadinha (nem infeliz, diga-se de passagem). Algo em mim desalinhou, encostou no infinito. Parece que, ali na sala do parto, acabei ouvindo um sussurro da vida com a vida que não podia: mais uma filha, mais uma louca que nascem (o par só pode ser esse, filha-e-louca; mãe-e-filha é puro disfarce). Tenho me lembrado muito das paixões da adolescência. Acho que já até coloquei isso antes aqui. Tem muito a ver: aquela certeza que o ar vai acabar se ele não olhar pra cá agora, se ele não entrar imediatamente por aquela porta, se esse bendito telefone não tocar. Pois é, filha, olha onde você foi colocar sua mãe. Do lado de fora do mundo, embolada neste tecido de que é feito a gente. Um lugar onde não existem mais as palavras, só esse tum-tum-tum do meu coração inteirinho dentro do teu.

quinta-feira, 1 de maio de 2008

É tudo junto ao mesmo tempo

Todos os comentários que recebo, aqui ou pelo meu email, são pra mim maravilhosos. Só me confirma cada vez mais como a comunicação (verdadeira) com outra pessoa pode ser fantasticamente curativa. Mas o último comentário da Dani Guima vai ter que virar post - eu preciso ler isso aqui todo dia! Fundamental cair essa ficha do que ela escreveu sobre não haver linearidade em nada. Realmente, parece haver uma certa "obsessão classificatória" nossa, meio infantil, muito da equivocada, responsável por confusões férteis na nossa cabeça. É como se tudo ao nosso redor fosse possível de ser classificado em "bom" ou "mau", "feliz" ou "infeliz", "quero" ou "não quero". Acontece que a vida, na sua profunda riqueza, brinca com isso, misturando na química das coisas elementos aparentemente antagônicas. Quando a gente percebe que quer ser bom, mas também é mau; que uma pessoa importante pra gente tem suas coisas lindas e outras insuportáveis (e que nenhuma relação precisa terminar por causa disso); que um amor por mais lindo que seja é também sempre controverso etc. alguns nós difícieis de dentro da gente parecem ir sendo desatados... Sabe viver bem, acho, exige também isto de nós: é preciso saber mergulhar a alma de cabeça nas experiências em si, esquecendo de classificá-las, esquecendo de seus rótulos possíveis (leia-se, necessidade de entender)... Aí vai o tão lúcido post: (Valeu, Dani!)

Bia,
a minha experiência pessoal tem me dito que não dá para apressar em aprender logo a lição... faz parte a gente se sentir assim, meio que roubadas da nossa individualidade e egoísmo. E isso dói. Mas aí, no minuto seguinte, recebemos um super sorriso banguela e ficamos embriagadas de recompensamento. Acho que não existe uma linearidade - seremos super felizes de ser mães, ou super tristes de ter perdido as delícias da vida sem filhos. Tem um pouco de tudo nisso daí, a gente curte um pouco, lamenta um pouco, viaja quando dá, deixa com a vovó e toma um fôlego bom e volta para casa morrendo de saudades... é tudo junto ao mesmo tempo. Desisti de me sentir só bem sobre ser mãe, sabe? Assim como não dá para se sentir só feliz de sermos casadas com nossos maridos, ou 100% sobre nossa escolha profissional. O lance é ir passeando por essas situações sem se colar muito nem com as coisas boas, nem com as coisas ruins. E curtir o momento presente! Seja com ou sem nossas pequenas por perto! :D
Beijo grande para você, Bia!

domingo, 27 de abril de 2008

Contando à Camila, ela deu nome aos bichos: o negócio, Bia, é que a gente é muito hedonista e egoísta. Foi um certo alívio ouvir isso. Primeiro pela nossa apresentação - qualquer mal identificado, só por isso, já começa a melhorar. Segundo pelo "a gente" utilizado. É, talvez eu possa mesmo dividir estes "créditos" com uma geração inteira, uma época, um meio social etc. o que dá uma folguinha ao meu sempre vigilante superego. O fato é que tenho me visto às vezes vergonhosamente bastante jururu com as concessões que tenho que fazer por ser agora mãe de uma criança. Do jeitinho que eu temia que pudesse acontecer. Exemplifico. Esse fim de semana estaríamos em BH pra um super casamento de um amigão do Patrick. Só nós dois, curtindo e namorando, como a gente vem tanto precisando. Ia dar pouco mais de 24 horas fora, mas eram 1.440 e tantos minutos que estavam sendo planejados com a maior empolgação. Fora a festa, fiquei dias pensando se aproveitaríamos o tempo pra hibernar dormindo ou se, ao contrário, faria tudo e mais alguma coisa que tivesse rolando em BH. Pesquisei na Veja BH. Descobri que tava rolando campeonato de comida de boteco. Imagina se gostamos disso... Anotei endereços, montei toda a nossa programação. Beto e Ciça iriam junto com a gente também sem a filha - companhia melhor não haveria. Manú iria ficar com minha mãe, pela primeira vez tanto tempo, que tava feliz da vida com o fim-de-semana "all-inclusive-vovó". Tudo soando perfeito. Pois bem. Eis que de sexta pra sábado, Manú desenvolve do nada uma diarréia, sapeca em mim dois vômitos e marca 38, quase 39 graus, no termômetro. Ficou, tadinha, irritada, chorosa, dormiu mal, claro. E quem tem coragem de embarcar pra outra cidade? Nem pensar. Resultado: todo mundo lá, inclusive o pai (que não havia necessidade de também ficar e perder o casamento do amigo), e eu aqui. O mal-estar dela já passou, graças a Deus, mas o meu não - me sinto péssima de ter me sentido péssima por ter ficado. Mas é isso aí. E escrever aqui é uma tentativa mesmo de, assumindo isso, crescer nessa história (e, quem sabe, consolar um pouco alguém que um dia se veja na mesma situação). De fato, ser mãe tem sido a maior escola da minha vida. E eu acabo de tirar um MI feio na prova... A sorte é que não há escola com mais provas de recuperação que esta no mundo, para as quais eu preciso mais é, ao invés de só lamentar, me apressar em aprender logo a lição! (;

sábado, 5 de abril de 2008

Estamos dodói...


Ela de bronquite. Eu do coração.
Que dó sem tamanho dessa pequenina criatura, tentando respirar, tentando dormir e tudo tão difícil, tão entupido! "Opa, quem foi que mudou minha vida assim de repente?", certamente ela pensaria se pensasse. "Eu ficava com sono, fechava os olhos e dormia, era só puxar o ar que ele entrava, não tinha esse nariz assado de tanto escorrer, essa tosse que a toda hora me acorda...". É, filha, vai se acostumando aos mistérios - ah, e às mudanças também. Esse aí é mole, daqui a um par de anos você entenderá direitinho; e a mudança é temporária, daqui a uns dias, com certeza, pulmãozinho e narizinho vão estar zero bala de novo. Complicado mesmo são os tantos outros inúmeros mistérios por aí, sem explicação nenhuma e trazendo algumas mudanças pra gente totalmente sem volta...
Bom, mas eu ia falar de outra coisa.
O diagnóstico de bronquite da Manú chegou a mim acompanhado. Junto com ele vieram, de surpresa, visitas ilustres: uma certa vergonha e uma considerável culpa. Fiquei impressionada com isso, de repente estava eu, além de preocupada com o problema em si, numa culpa, numa vergonha de ter a Manú doente. O que fiz? O que não fiz? Ok, culpa de mãe é o assunto mais velho desse blog e de toda a maternidade se duvidar. Mas ontem ela me mostrou os dentes de novo. E pasmei comparando: alguma vez em que fiquei doente senti alguma coisa parecida com culpa, vergonha por estar doente? Nunca, nem mesmo com o HPV, que só por poder envolver sexo já deixa muita gente travada. Doente costumo sentir desânimo, carência, tédio, chateação por não poder fazer alguma coisa que queira, vontade de ficar boa logo - às vezes até alívio por poder descansar um pouco. Mas nunca senti culpa ("Ó-meu-deus, não vou contar pra ninguém que estou gripada!"), nem percebi ninguém me acusando de nada ("ah, olha só ela, que horror, ela não se cuida direito..."). Se há quem fale isso, o tom normalmente é outro, é o de ajudar, de te mostrar que era bom você se cuidar um pouquinho mais, não exagerar com trabalho, farra (ou falta de) etc., não de acusação - pelo menos não desta acusação que tô tentando falar. Interessante este "mudo discurso social": por que cuidar de si importa tão menos? Pelas premissas (cuidar de si é natural do egoísmo humano; temos que ser impelidos é a cuidar dos outros)? Pelas conseqüências (se você não cuidar de você mesmo quem suportará as onseqüências é você, então o problema é seu, mas se não cuidar do filho, é ele, e isso é injusto)? Pode ser, pode ser.
E enquanto Manú se recupera, eu tento também me recuperar, varrendo mais esse fantasminha inesperado do meu horizonte. Fantasminha muito perigoso pra mim, diga-se, pois me ataca justamente na jugular de algo que duramente conquistei nos últimos tempos e que vem me amortecendo nesta passagem pro universo materno: ter encontrado, ou achar que encontrei, o meu jeitinho próprio de ser mãe da Manú. Um jeito que aposta na simplificação, na leveza, na despreocupação (com tantos minimozinhos detalhes, recomendações e regrinhas), na aceitação dos meus limites e dos dela; na crença que um banho por dia, creme contra assadura, nossa alegria e nosso esfrega-esfrega de todo dia já seriam o suficiente pra imunizá-la de tudo. Nem tudo, pelo visto. O segredo parece estar - mais uma vez, de novo e também aqui - no velho, bom e tão só eventualmente atingido equilíbrio. Nem tão chata nem tão borrachona. Nem tão neurótica nem tão let it be. Nem só micróbios nem só vitamina "s". Nem só casa nem tanta rua. Nem tantos casaquinhos nem tanta perna de fora. Nem a mãe que faz tudo errado nem a mãe que faz tudo certo. Sempre a mãe que tenta. (:
ps: acima um momento delicioso da gente pra ver se a energia boa da foto enxota de vez esse baixo-astral dessa bronquite.

sábado, 15 de março de 2008

Humm... Interessante!

Não se podia esperar outra coisa desse tão podrinho mundo nosso do que não deixar nem mesmo nossos bebezinhos livres da cobrança da beleza. Assim que Manú nasceu, era impressionante perceber a ansiedade de algumas pessoas para medi-la, nesse aspecto, dos pés à cabeça. É assim com todo mundo por aí; inocente achar que fosse ser diferente com os pequenuchos. Tudo bem, releva-se. Faz parte do lado sombra da vida e da gente mesmo. Mas eu não deixo de ficar pensando... Que história diferente escreveríamos se toda essa neurose pela beleza física fosse dirigida pra outra coisa: imagine, ao invés dessa "endeusação" do ser belo e perfeito, o imperfeito interessante. Aliás, seria também mais inteligente, pois se tem algo que faz a diferença na vida de alguém certamente não é a beleza, mas sim o tanto que se é, digamos, interessante - o que pode até vir acompanhado da beleza, mas com certeza a prescinde. Pense em academias e academias na cidade com o objetivo de... te deixar mais interessante! Ser interessante, ou seja, um bom sujeito, leve, espirituoso, gentil, correto, com um jeito gostoso de gargalhar, falar, de andar, de dançar, quem sabe, um papo bom, bom-humor, um cacoete engraçado, umas neuras de estimação, uma bandeira qualquer, um poço mais fundo no olhar, um talento, um ouvido esperto... (Enfim, aquele cara que se quer sempre estar na mesma mesa de bar que a dele). Tão pouco a gente pode fazer pelo nosso, e pelos dos nossos filhos, invólucro (pelo menos sem correr o risco de um artificialismo ridículo)! Tanto a gente pode fazer pela nossa, e deles, capacidade de se tornar mais interessante! Que maravilha seria viver numa cultura onde essa aqui de fora recebesse mais trégua, desprezo até; onde houvesse sabedoria, tempo, olhos mais atentos pra caçar os gigantes de dentro...
Manú até que é bem lindinha. De uns ângulos mais, outros menos. Uns dias mais, outros menos. As pessoas às vezes me falam isso e eu fico, sim, envaidecida. Mas o que me explode de alegria mesmo é quando vejo nela, desde já, uma garotinha interessante. Curiosa, simpática, sorridente, ávida pelas coisas, topa-tudo, pouco exigente. Se conseguir seguir por aí, não tenho dúvida do destino feliz da minha filhota. Mais: de sua colaboração pra que esse mundo seja um tantinho mais... interessante!

segunda-feira, 3 de março de 2008

Simples assim


Às vezes tenho a impressão de que o mais complicado em bebês para nós é, paradoxalmente, essa extrema simplicidade deles. Não dá; nossos confusos sofisticados cérebros, alardeados para tão mais, parecem dar pau, não captar o espírito espartano da coisa.


Vejam só que seres mais lindos de simples e sábios. Gostam de quem gosta deles (absolutamente qualquer pessoa: sem requisitos de idade, sexo, cor, beleza, simpatia, idéias, jeito ou desajeito). Costumam não gostar de quem não gosta deles. Requerem, do dia, meia dúzia só de providências (tudo bem que repetidas n vezes): serem agasalhados, terem a barriguinha cheia, estarem limpinhos, terem um cantinho calmo pra dormir, receberem carinho e um pouquinho de diversão. Para o dia ser bom, nada demais precisa acontecer; ninguém precisa chegar, telefonar, convidar - basta o dia rolar sem sobressaltos. Se chover, ótimo; se fizer sol melhor ainda. Brincadeira? Qualquer pedaço de coisa que dobre ou faça barulho tá valendo. Bebês não disfarçam: tudo o que incomoda é anunciado na hora com choro - nunca estão nem aí pro que vão pensar deles. Contam com o amor e aceitação como certos; não patinam em qualquer dever de conquista. Não guardam mágoa nem remoem nada: assim que você desfizer o que estava incomodando, passam das lágrimas ao riso em segundos. Estão totalmente no presente, não se lembram do que passou, ignoram totalmente o minuto seguinte da vida. Você pode repetir a mesma gracinha um zilhão de vezes, eles sempre vão rir etc. etc. etc. (se a gente parar pra pensar, exemplos de simplicidade e sabedoria não faltam mesmo na vidinha dessa micro gente de uma perfeita linha só).


E a gente fica aqui ruminando se aquele olharzinho caído não é tédio; se aquela mãozinha afastando um beijo seu não é rejeição à mãe; se os estímulos - visuais, auditivos, táteis etc. - estão suficientes no dia; se a pintura da parede da casa não está enjoativa; se você não está enjoativa; se a vida do bebê não está enjoativa; pensamos em quando teremos dinheiro pra aquele brinquedão que promete ser a coisa mais legal do mundo; se estamos conversando com ele o tanto que precisa; se estamos sorrindo pra ele o tanto que precisa etc. etc. etc. (exemplos de complicação também é o que não falta na cabeça dessa gente grande embolada em tantos rabiscos desencontrados).


Eu queria muito saber: que hora, que bendita hora é essa, em que a gente se complica tanto e faz a vida ficar tão assim exigente e difícil?! Como diz uma amiga minha, a criança ao virar adulto não só evolui; em vários aspectos também involui. Definitivamente.


ps: uma coisa não é simples de entender na Manú: como pode essa criaturazinha já ter entendido que é pra rir quando uma câmara é apontada pra ela?? Impressionante, mas não se tira mais foto dela séria; esteja acontecendo o que for, ela vê a máquina e ri na hora, como aconteceu na foto acima esses dias...